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quarta-feira, 23 de novembro de 2011

05. INTRODUÇÃO À SOCIOLOGIA POLÍTICA.

PESQUISADO E POSTADO, PELO PROF. FÁBIO MOTTA (ÁRBITRO DE XADREZ).

REFERÊNCIA:
http://analisesocial.ics.ul.pt/documentos/1224166005W9wXA0xp2Ux23DU8.pdf

INTRODUÇÃO À SOCIOLOGIA POLÍTICA.

ACTIVIDADES DO GABINETE
Serge
Hurtig
Introdução
à Sociologia Política
Conforme se noticiou no anterior nú-
mero desta revista, realizou-se em Novembro
último, no Gabinete de Investigações Sociais,
com o patrocínio da Fundação Calouste Gulbenkian, um Seminário de Introdução à Sociologia Política, dirigido peto Prof. Serge
HURTIG, do Instituto de Estudos Políticos
(Universidade de Paris). 0 texto seguinte é
um resumo, elaborado no Gabinete, da matéria exposta durante esse Seminário.
PODER POLÍTICO E GRUPOS SOCIAIS
NA ANÁLISE POLÍTICA CONTEMPORÂNEA
1. Introdução: a Análise Política
A «política» é muitas vezes considerada um elemento perturbador da solução correcta dos problemas económicos e sociais.
Não raro se pensa que, para cada um destes problemas, é possível, a homens de boa-vontade e de formação científica, definir
uma solução única, puramente «técnica», que só a «política» frequentemente impede de adoptar ou obriga a distorcer.
Mas o facto que se nos impõe é outro: a solução dos problemas
que uma sociedade defronta depende de escolhas; e estas escolhas são frequentemente políticas. Importa, por isso, valorizar
a política como objecto de estudo e afirmar a necessidade de
uma análise política de numerosos problemas —incluindo
blemas económicos— cuja solução implica escolhas políticas.
Tradicionalmente, a Ciência Política interessou-se exclusivamente pelo Estado, pelos diversos tipos de Estados, pelas rela-
ções entre o Estado e os cidadãos. Mais tarde, enriqueceu-se com
o estudo das instituições e das forças que actuam sobre o Estado.
Hoje podemos, mais amplamente, defini-la como uma óptica deinvestigação que privilegia os fenómenos de autoridade, de poder,
de dominação. Ora, estes fenómenos estão presentes num grande
número de processos sociais e de grupos sociais, mesmo não polí-
ticos. Por exemplo, nas empresas desenrolam-se conflitos de autoridade e lutas de poder. Deste modo, a Ciência Política — embora
se ocupe mais directamente do Estado, da vida pública e das
instituições e forças que sobre aquele actuam— deve interes*
sar-se, dum modo geral, pelos aspectos políticos de todos os fenó-
menos sociais, ainda quando as suas relações com o Estado ou
a vida pública não transpareçam com evidência.
A exposição seguinte poderia situar-se, quer ao nível da filosofia política, quer ao da teoria política, quer ainda ao da descrição política. O primeiro, que é o da reflexão que põe problemas e procura fazer escolha de valores, não nos interessa aqui.
O terceiro, que é o dos estudos empíricos, só nos interessará
para exemplificação de noções teóricas. É, pois, no segundo nível,
o da teoria política, que nos situaremos, isto é: no nível abstracto
dos conceitos e esquemas analíticos que podem ser utilizados na
interpretação científica da vida política. Deve, porém, observar-
-se que, tal como sucede na maior parte das Ciências Sociais,
a teoria política ainda se encontra num estádio de elaboração em
que põe mais questões do que dá respostas \
2. Influência política e poder político
O oonceito de influência política
Uma vez que a Ciência Política privilegia os fenómenos de
autoridade, poder e dominação, é lógico que nos ocupemos, em
primeiro lugar, da influência e do poder políticos.
Para estudar a influência, é vantajoso partir do conceito
de instigação, proposto por Bertrand DE JOUVENEL no seu «Essai de
Politique Puré»: há instigação de uma acção H, apresentada por
A a B, quando A pede a B que realize a acção H. Segundo DE
JOUVENEL, este conceito, não só constitui o elemento essencial da
análise política, como permite estabelecer a distinção entre polí-
tica e economia. Em economia, os actos são simétricos: A, desejando que B faça H, oferece-lhe uma contra-partida; e é em consideração desta contra-partida que B efectua H. Pelo contrário,
em política os actos são dissimétricos: não é inerente à relação
entre A e B que A ofereça a B uma contra-partida pela acção
que lhe pede; e se A obtém de B a acção H, obtém-na essencial-
1
Toda tentativa de teoria neste nível tem de integrar os contributos de um grande número de predecessores e de contemporâneos. O autor
deseja afirmar explicitamente o muito que intelectualmente lhes deve, destacando em especial Robert DAHL.
75mente por ser A; a oferta a B de uma vantagem, em troca de H,
pode trazer um complemento à instigação, mas não lhe é essencial.
Esta distinção e útil, porquanto mostra que, frequentemente,
entre os actos económicos e os actos políticos há uma diferença
fundamental e que o preço (ou custo) do acto político só raramente é explicitado. Mas daí a afirmar que esse preço não existe,
que A nada oferece a B em troca de H, vai um passo que não
convém dar em todos os casos, como veremos.
Para definir a influência, poderíamos dizer, muito simplesmente, que A exerce uma influência sobre B, se B realiza a acção
H. Tal definição parecerá banal e simplista. A sua discussão aprofundada constitui, no entanto, um dos problemas centrais da Aná-
lise Política e obriga a pôr quatro ordens de questões: l.
a
) quem
exerce realmente influência? quem é influenciado? — 2.
a
) qual é
o grau da influência efectivamente exercida?—3.
a
) sob que modos se exerce a influência? — 4.
a
) qual é a sua eficácia?
Realidade e grau da influência
É frequentemente difícil saber se uma determinada influência que se supõe ou afirma ter-se exercido, existiu realmente.
Os políticos acreditam com demasiada facilidade, ou procuram
fazer-nos acreditar, que é graças à sua influência que se produzem resultados e situações, que, de facto, em pouco ou nada se
devem, muitas vezes, à sua instigação.
Para afirmar que uma influência realmente se exerceu} temos
de começar por pôr a questão de o que se teria passado, se a instigação não tivesse sido feita. Ora, na vida política é frequentemente muito difícil responder a tal questão. Por exemplo: poderá
dizer-se que certo discurso teve por efeito real modificar uma
situação política que, sem ele, não se teria modificado? Raros
são os casos em que verdadeiramente se pode, sem qualquer ambiguidade, atribuir a uma acção política um efeito preciso. Todavia, para que se possa dizer que uma determinada influência
realmente se produziu, é indispensável que possamos demonstrar,
pelo menos, a probabilidade de que o fenómeno atribuível a essa
influência não se teria verificado, se não tivesse havido uma
determinada instigação.
Poderá, por outro lado, pensar-se que só há influência
se a instigação precede a acção. Aludimos, deste modo, a uma
relação de causalidade, segundo a qual os fenómenos políticos
são causados por outros fenómenos que os precedem no tempo.
Mas o facto é que, de certo modo, a causa se encontra por vezes,
depois do fenómeno causado. Assim sucede quando se age em fun-
ção de antecipações. Na verdade, nós agimos, não só em função
76de causas que precedem as nossas acções, mas também em fun-
ção de acções que antecipamos nos outros; e neste segundo caso,
mesmo que as acções previstas nos outros não venham a produzir-se, o seu efeito sobre a nossa acção já se produziu. O conceito de dissuasão, utilizado na estratégia moderna, fornece um
bom exemplo: o ataque não se verifica, não por efeito de uma
causa anterior, mas em consequência de uma reacção «antedU
pada». A intervenção das antecipações complica, porém, ainda
mais a análise, pois é difícil saber o que se teria passado, se
uma certa reacção não tivesse sido prevista.
A realidade da influência não é, pois, facilmente determinável. No que respeita ao grau da influência exercida, há que
dizer, primeiramente, que esta pode ser positiva ou negativa.
Durante muito tempo, por exemplo, era praticamente suficiente,
em França, que o Partido Comunista se pronunciasse a favor
de qualquer medida, para que a Assembleia Nacional a consi-t
derasse com suspeita. Assim também um político, que aparece
a discursar na televisão, pode, em consequência desse acto, obter
menos votos numa consulta eleitoral, quando o seu objectivo era
precisamente o oposto. Em ambos os casos, há uma influência,
pois que há uma relação entre a acção e o efeito produzido; mas
trata-se de uma influencia negativa, cujo resultado é contrário
ao que se visava na instigação. Em suma: a influência não é
necessariamente «orientada», no sentido algébrico do termo.
Duas outras questões devem, porém, ser postas, a propósito
do grau de influência. A primeira será: qual é o alcance da influência, ou seja: a gama de acções que A pode realmente obter
de B? É óbvio que o exame dessa gama de acções se reveste, de
uma importância fundamental para a Análise Política. A segunda
questão é a seguinte: qual é o número e a qualidade dos indivíduos ou grupos sociais influenciados? De facto, a influência
de A pode exercer-se sobre toda a nação, sem intermediários;
ou restringir-se a uma élite; ou atingir grupos parciais que, por
sua vez, influenciam grupos mais latos; etc. Há aqui toda uma
série de problemas cuja relevância para a Análise Política é
também evidente.
Os modos e a eficácia da influência política
Num esquema extremamente simplificado, podem distinguir-
-se quatro modos de influência política. O primeiro é o controle
social espontâneo. De facto, em qualquer grupo, e também na
sociedade política considerada globalmente, um grande número
dos nossos actos explicam-se pela pressão que sobre nós exercem
os outros, pressão que nos leva a obedecer a certas normas e a
agir de determinadas maneiras. Este controle é, por exemplo,
77um dos mecanismos fundamentais da vida económica, pois o sistema dos preços constitui, em certo sentido, um sistema de controle social, aparentemente espontâneo. Na verdade, como consumidores, fazemos constantemente escolhas e tomamos decisões,
com uma liberdade aparente muito grande; mas essas escolhas
e decisões são-nos, em grande parte, impostas por intermédio
de um sistema de preços. Um outro exemplo é o da circulação
automóvel: conduzindo um veículo, modificamos a nossa direcção
e velocidade, em resposta aos comportamentos dos outros automobilistas. Ora. também na vida política se verifica este fenó-
meno de controle do comportamento individual por mecanismos
aparentemente espontâneos e por pressões sobre nós exercidas pelos outros membros da sociedade.
Um segundo modo de influência política é o controle social
manipulado: pode-se influenciar os indivíduos, influenciando o
campo das pressões às quais eles estão submetidos. Retomando
o exemplo do sistema de preços, quando um governo domina esse
sistema e faz subir certos preços, ao mesmo tempo que mantém
outros estáveis ou os faz descer, influencia efectivamente o comportamento de um grande número de indivíduos, que todavia não
tomam geralmente consciência, nas suas acções quotidianas, de
sofrer tal influência. Esta é mediatizada por um sistema de controle social e por isso não é directamente sentida por aqueles
sobre quem se exerce.
O terceiro e o mais específico modo de influência política
é o comando. Em primeira análise, a relação de comando aparece-nos dissimétrica: as ordens são executadas porque são ordens.
Mas, de facto, tal relação é menos dissimétrica do que pode parecer: não apenas certas ordens podem não ser executadas ou
sofrer distorções na execução, como sobretudo, na vida política,
o comando é, o mais das vezes, um fenómeno recíproco. Explícita
ou implícita, há na relação de comando político uma «negociação»
entre quem o exerce e aqueles sobre quem é exercido. A análise
das condições em que actua e se executa o comando político reveste-se, pois, de uma grande importância.
E assim encontramos o quarto e último modo de influência
política;
que é, precisamente, a influência recíproca, porventura
a mais corrente: A influencia B, mas B influencia A. A influência não é unilateral ou unívoca, embora a força possa não ser
idêntica nos dois sentidos.
Devemos, porém, perguntar qual é o grau de probabilidade
de uma acção de B, conforme à instigação de A. A eficácia da influência deve, com efeito, poder ser medida e comparada, segundo
as pessoas, os grupos sociais, os sistemas políticos e as situações.
Ora, tal eficácia depende, na maior parte dos casos, não só da
identidade de quem exerce a influência, mas também dos ins-
78trumentos (ou recursos) utilizados para a exercer. Importa, por
conseguinte, introduzir aqui a noção de recursos políticos.
Os instrumentos da influência política: os «recursos políticos»
Foi Robert DAHL quem propôs esta noção. Por analogia com
os recursos económicos, chamaremos recursos políticos a todos
os factores que permitem, num sistema político dado, exercer
uma influência.
Entre os principais, devem referir-se os seguintes:
1.° — O tempo. Quanto mais tempo se puder dedicar à actividade política, maior influência se poderá exercer (vantagem dos
políticos profissionais).
2.°— O dinheiro. Quanto mais dinheiro se puder fornecer a
um grupo ou a um líder político, maior influência sobre ele se
poderá ter.
3.° — O poder económico, como poder de disposição sobre os
empregos. A outorga ou recusa de empregos, e portanto de meios
de vida, constitui um instrumento privilegiado de influência polí-
tica, do qual, por exemplo, todos os chefes-de-empresa dispõem.
4.° — A informação, na qual há a distinguir o acesso à informação e o controle da informação. Por um lado, a capacidade
de influenciar uma situação depende dos elementos de informa-
ção de que se dispõe para a apreciar e da aptidão que se possui
para analisar esses elementos (vantagem dos que possuem mais
informação e/ou mais instrução). Por outro lado, a possibilidade de reter, filtrar, inflectir ou alterar a informação constitui um recurso político de excepcional eficácia (vantagem dos
governos sobre as oposições, dos dirigentes patronais sobre os
dirigentes sindicais, e t c ).
5.° — O direito de voto. Na maior parte dos países, este direito representa o grau mínimo dos recursos políticos.
6.° — O exercício de funções políticas. Ligando-se a todo um
sistema de meios de recompensa e de coacção, torna possível exercer uma influência privilegiada e mesmo preponderante.
7.° — As qualidades pessoais de talento político.
8.° — A filiação social ou política. Pode representar um
recurso positivo ou negativo. Assim, um indivíduo proveniente
da classe operária terá vantagens sobre outros num partido de
extrema-esquerda; sofrerá, porém, desvantagem num partido de
formação burguesa.
Quais são, dum modo geral, as características destes recursos (e dos outros que não enumerámos) ?
Em primeiro lugar, são desigualmente eficazes, segundo os
79sistemas políticos e as situações. Em segundo lugar, encontram-
-se desigualmente repartidos, no interior de uma dada popula-
ção. Deste modo, torna-se possível comparar os sistemas políticos,
segundo o grau de eficácia dos diversos recursos políticos, segundo o grau de desigualdade na repartição desses recursos e
ainda segundo o carácter mais ou menos cumulativo de tal repartição. Interessa, com efeito, saber se, num sistema político dado,
e mesmo sendo desigual a repartição, são os mesmos indivíduos
ou grupos que acumulam o essencial dos diversos recursos polí-
ticos, ou se, pelo contrário, são indivíduos ou grupos diferentes
que dispõem desses diferentes recursos.
Em terceiro lugar, os recursos políticos são limitados, o
que obriga a economizá-los e a utilizá-los racionalmente. A pró-
pria coacção é um recurso limitado, pois o excesso de coacção
provoca a sua ineficácia ou reacções contrárias.
Finalmente, os recursos políticos são de utilização exclusiva:
os recursos que se utilizam politicamente não podem ser utilizados, ao mesmo tempo, de outro modo. Deste facto evidente resulta que, tirante situações muito excepcionais, só uma pequena
minoria aceita consagrar recursos importantes a fins políticos,
isto é: a procurar exercer uma influência cuja eficácia é incerta
e difícil de medir. A escassez do activismo político, demonstrada por estudos empíricos, não é, pois, surpreendente.
Poder político, legitimidade e ideologia
Tendo visto já como pode definir-se a influência política
e quais são os seus instrumentos, interessa ver agora as condi-
ções em que se exerce o poder político.
Poder político é aquele que, num sistema dado, é reconhecido
como tal (ou se quisermos: entendido como tal) por aqueles que
o utilizam. Embora vaga e pouco satisfatória, esta definição bastar-nos-á aqui. Permite-nos, por exemplo, dizer que não é política
o poder de um chefe-4e-empresa, apesar de, em termos puramente objectivos, ser possível assimilá-lo a um poder político.
O exercício do poder político pressupõe a aquisição, a conservação ou o aumento da influência política. Ora, a influência
repousa, normalmente, sobre uma combinação de dois factores:
o consentimento (isto é: a aceitação da influência) e um sistema
de meios de recompensa e de coacção. Simplesmente, os detentores de um poder político sabem que estes meios de recompensa
e de coacção não são ilimitados. Procuram, portanto, economizá-
-los, utilizá-los o menos possível. Com tal objectivo, esforçam-se
por obter legitimidade para as suas decisões.
A legitimidade, no sentido em que a entendemos em Teoria
Política, é o reconhecimento das decisões dos detentores de um
80poder político, não somente como eficazes, mas como baseadas na
moral ou no direito. Suscitando o consentimento, permite por isso
mesmo economizar os recursos políticos escassos, os meios de recompensa e de coacção. É, por conseguinte, lógico e normal que
os detentores do poder político procurem dotar de legitimidade
a maior parte das suas acções e o próprio poder que exercem.
Um poder reconhecido como legítimo é mais «económico» do que
um poder a que falta o apoio de uma legitimidade.
Deste modo, os detentores do poder político são levados a
justificar e consolidar a sua legitimidade, baseando-a numa ideologia política. Nesta acepção, uma ideologia política é um sistema de ideias e de atitudes que fundam a legitimidade do poder
num dado sistema político. Mas o sistema político, aqui visado,
tanto pode ser a sociedade política global, como um movimento
político ou um partido político existente dentro dessa sociedade.
Há, com efeito, legitimidades parciais, que podem ser contestadoras da legimitidade do poder no sistema político global.
Noção de sistema político
Concluamos por onde deveríamos talvez ter começado, isto
é: por uma definição de «sistema político».
Um sistema político, diremos, é um conjunto ordenado e persistente de relações, compreendendo, em medida apreciável, releu-
ções de autoridade, de poder, de dominação. Tal definição não
se aplica apenas ao Estado e aos grupos que procuram agir sobre
o Estado. Abrange, sob o aspecto político, já definido, todos os
sistemas de relações, mesmo os sistemas económicos, que se podem
encontrar na sociedade. Aliás, como veremos, a linha de partilha,
numa dada sociedade, entre o que é político e o que o não é constitui, ela mesma, um problema de opção política.
3. Os móbiles da vida política
A vida política
Nas primeiras páginas da sua «Introduction à Ia Politique»,
Maurice DUVERGER distingue duas concepções da vida política.
«Desde que os homens reflectem sobre a política —escreve aí
esse Autor—, eles têm oscilado entre duas interpretações diametralmente opostas. Para uns, & política e essencialmente uma
luta, um combate, permitindo o poder, aos indivíduos e aos grupos que o ocupam, assegurar-se do seu domínio sobre a sociedade
e t i r ar proveito dele. Para os outros, a política é um esforço para
fazer reinar a ordem e a justiça, garantindo o poder a realização
81do interesse geral e do bem-comum, contra a pressão d>as reivindicações particulares». DUVERGER acrescenta, porém, que a polí-
tica «é sempre e em toda a parte ambivalente. (...) O Estado—
e, dum modo mais geral, o poder instituído numa sociedade —
é sempre e em toda a parte, ao mesmo tempo o instrumento da
dominação de certas classes sobre outras, utilizado pelas primeiras em seu proveito e contra o interesse das segundas, e um meio
de garantir uma certa ordem social, uma certa integração de
todos na colectividade, para o bem-comum».
De facto, segundo os sistemas políticos e/ou as situações
históricas, a vida política é mais prevalentemente luta, ou mais
prevalentemente esforço para instaurar a ordem e a justiça. Não
há, de resto, completa contradição entre aquelas duas concep-
ções: o estabelecimento da ordem e da justiça pode ser um dos
móbiles da luta; e pode também dissimular o esforço para conquistar ou manter uma dominação.
Partiremos aqui da concepção da vida política como uma
luta, não porque a consideremos exclusiva, mas porque é útil
para a análise e, todavia, frequentemente se põe de lado. O título
do livro de Hiarold LASSWELL, publicado em 1936, «Politics: who
getst what, when, how?», resume-a bastante bem. Mas o que nos
vai interessar são, mais precisamente, os móbiles da vida polí-
tica, isto é: as satisfações que se procuram através da actividade
política. Abordaremos o problema, primeiro ao nível do indiví-
duo, depois ao nível do grupo.
Os móbiles da vida política, ao nível do indivíduo
Antes do mais, convém notar que existem variações muito
grandes, segundo o meio social, o país, o sistema político e a
época A participação dos indivíduos na vida política deve, pois,
ser analisada, não em absoluto, mas no quadro de situações
claramente definidas, espacial, temporal e institucionalmente. Em
quadros diferentes, são diferentes também a significação e as
características assumidas pela actividade política dos indivíduos.
É assim que, por exemplo, não é legítimo falar de «politicização»
ou «despoliticização» dos indivíduos, em absoluto, mas apenas em
relação com um país, uma época e um sistema político.
Que funções desempenha a «participação política» na vida
dos indivíduos? Em rigor, a nossa ignorância a este respeito é
ainda muito grande. No entanto, podemos procurar, a título de
hipóteses apenas, um certo número de satisfações que os indivíduos obtêm de tal participação. Distinguíramos satisfações
psicológicas e satisfações materiais.
A primeira das satisfações psicológicas que a actividade polí-
tica pode proporcionar é um sentimento de integração, de con-formidade às normas sociais. Assim, por exemplo, a maior parte
dos indivíduos que votam, fazem-no porque, nas sociedades onde
vivem, os cidadãos devem votar: quem não vota é «mau cidadão». A revolta, a reacção contra um quadro social rígido, cujas
normas são consideradas opressivas, pode, porém, ser uma outra
manifestação deste mesmo comportamento: traduz, então, protesto contra a ordem social estabelecida e desejo de integração
num grupo contestador ou numa outra ordem social.
A participação na vida política dá também satisfação a uma
curiosidade, a uma vontade de a conhecer melhor. Para um certo
número de indivíduos, representa, mais propriamente, uma actividade de compensação* através da qual reagem contra sentimentos profundos de inferioridade ou contra insucessos na vida
pessoal ou profissional. Daí que seja particularmente elevada a
proporção de indivíduos pessoal ou profissionalmente «falhados»,
entre os que se dedicam a actividades políticas. Por outro lado,
o indivíduo, na medida em que é inseguro no apreço de si mesmo,
procura o apreço, a estima, o respeito dos outros: eis outra satisfação que o exercício de actividades políticas lhe pode oferecer.
A participação nestas actividades pode ainda responder a um
desejo de ascensão social, sobretudo em países onde a mobilidade social é fraca, sendo portanto difícil subir na escala social
através de outras hierarquias, as económicas,, por exemplo: por
meio da actividade desenvolvida no interior de grupos políticos,
o indivíduo pode encontrar vias de promoção social, e até de
acesso ao nível da elite dirigente, que não se lhe oferecem em
nenhum outro campo de actividade. Finalmente, a actividade política pode dar satisfação à vontade de poderio que se encontra
em muitos indivíduos e permitir-lhes, assim, extravasar a agressividade que neles existe.
Mas a actividade política proporciona também, aos indiví-
duos que a praticam, satisfações materiais. Em primeiro lugar,
pode fornecer meios de existência e constituir mesmo um meio
de vida, na medida em que se profissionaliza. Die notar é que a
actividade política tende a profissionalizar-se com a moderniza-
ção das sociedades, Icomo se verifica, por exemplo, no ícaso da
Grã-Bretanha. Em segundo lugar, por intermédio da actividade
política pode um certo número de indivíduos alcançar situações
que lhes permitam obter vantagens ilícitas (corrupção, nepotismo). Por fim, a actividade política faculta ao indivíduo meios
para defender os interesses do grupo a que pertence. Nesta defesa, uma satisfaça/) psicológica (idealismo) pode conjugar-se
com as satisfações materiais procuradas pelo indivíduo, enquanto
membro do grupo cujos interesses defende.
No conjunto, diremos que, por definição, a actividade polí-
tica resulta, ou de necessidades a satisfazer, ou de pressões exteriores (de outros indivíduos ou de grupos) que se exercem
83sobre o indivíduo. Neste sentido, o comportamento político pode
ser um comportamento conformista, revelando-se então a actividade política como uma actividade de integração num grupo social particular ou na sociedade global. Mas, para além desse
comportamento conformista, pode haver um comportamento activo mediante o qual o indivíduo se esforça, quer por melhor
compreender a vida política e a sua situação na sociedade, quer
por fazer progredir os seus interesses, quer ainda por aumentar
a sua influência, o seu poderio.
Os móbiles da vida política, ao nível do grupo
Ao nível do grupo, podem igualmente distinguir-se diferentes
móbiles, que classificaremos em: materiais, ideológicos e polí-
ticos.
No que respeita aos móbiles materiais, há que reconhecer,
em primeiro lugar, que qualquer grupo organizado necessita de
meios de existência e que estes meios frequentemente podem ser
obtidos por acção política. Por outro lado, o grupo necessita
igualmente de justificar a sua existência perante a «clientela»
respectiva, através das vantagens que para ela conquista pela
sua actividade política. E também lhe é necessário dispor de
meios de recompensa, que lhe permitam atrair ou manter ligados a si indivíduos influentes. Finalmente, ao grupo organizado
é indispensável poder recompensar materialmente os seus dirigentes, tanto mais que a modernização da vida política é acompanhada, como já dissemos, por uma profissionalização crescente
da actividade política.
Aliás, a extensificação moderna das intervenções e actividades
económicas do Estado pode ser directamente relacionada com
estas exigências materiais da actividade política dos grupos. Com
efeito, o Estado não pode conceder vantagens económicas a grupos sociais, a não ser que disponha dos indispensáveis recursos
ou meios da intervenção. Assim, na medida em que certos grupos procuram conquistar, por via política, vantagens materiais
que não conseguem obter de outro modo, lógico é que tentem
impor ao Estado um alargamento do campo das suas interven-
ções e actividades económicas. A extensificação destas explica-se,
pois, em grande parte, pela vontade de certos grupos economicamente fracos, de obterem vantagens económicas por via política.
Tal como se explica pela pressão de grupos economicamente
poderosos, opostos a intervenções estatais em benefício dos grupem mais fracos, a manutenção de uma fronteira rígida entre
política e economia.
A actividade política responde também a móbiles ideológicos. Desde logo, porque representa um meio privilegiado de im-pôr uma ideologia, uma concepção da legitimidade política. Depois, porque é igualmente um meio privilegiado de propagar preferências ideológicas, sobretudo nos períodos de actividade política mais intensa (campanhas eleitorais, por exemplo). E finalmente, porque é ainda um meio privilegiado de adaptação da
ideologia. Na verdade, é através da luta, da contestação, do confronto com outras ideologias, que as ideologias melhor se adaptam às realidades sociais em evolução. As ideologias que não
enfrentam a oposição e o combate tendem a cristalizar, distanciando-se cada vez mais da realidade.
Decerto, as ideologias não são, frequentemente, senão disfarces de rivalidades entre indivíduos ou grupos. Mas nem assim
o móbil ideológico ê menos importante. Propondo um ideal, a
ideologia justifica e suscita, por isso mesmo, sacrifícios muito
mais espontâneos do que aqueles que se fazem por mero interesse material. Por outro lado, a luta ideológica é, quase sempre,
uma luta pela legitimidade. Ora, já vimos a relevância fundamental da legitimidade na vida política.
O móbil principal da vida política é, porém, o móbil especificamente político: a ocupação do poder do Estado. Em face
dele, os móbiles materiais e ideológicos aparecem frequentemente
como secundários. A recusa a aceitar o primado do móbil político
condena, aliás, certos grupos a jamais ter acesso ao poder estatal.
É este, nomeadamente, o caso de grupos que procuram, acima de
tudo, manter a pureza de uma doutrina: a rigidez das suas posi-
ções impede-os de participar com eficácia na luta pela conquista
do poder.
Dizer que o móbil político é primordial reduz-se a afirmar
a prevalência — que logicamente decorre da concepção de vida
política donde partimos— das relações de forças entre grupos,
sobre as outras relações. Ora, a ocupação do poder do Estado
proporciona, aos grupos que dela desfrutam, a possibilidade de
alterar em seu proveito essas relações de forças, uma vez que
põe à sua disposição os recursos políticos ligados ao próprio exercício do poder estatal. Com efeito, um grupo que exerce o poder
do Estado dispõe, não só do monopólio da coacção legal, mas
também de vários outros monopólios e vantagens: por exemplo,
mediante a propaganda, pode convencer grande parte da opinião
pública dos riscos catastróficos que uma eventual mudança de
governo implicaria; através da própria governação, pode responder aos interesses dos sectores da população cujo apoio procura
manter ou conquistar; por intermédio dos serviços do Estado,
pode obter uma informação incomparavelmente superior àquela
a que têm acesso os grupos de oposição; etc. Assim, é lógico que
um grupo que ocupa o poder procure nele perpetuar-se. Beneficia, para esse efeito, de uma verdadeira prime au pouvoir.
Por outro lado, é o Estado que conduz as regras do jogo
SB-político, Estas regras, que definem o regime folitico)
só parcialmente são expressas pelos textos constitucionais, e a possibilidade
de as fixar, interpretar, alterar ou mesmo substituir, constitui
um dos móbiles fundamentais da vida política. Em certos países,
como os Estados Unidos e a Grã-Bretanha, as regras do jogo
político são aceites e praticadas por todos os grupos, o que permite aos regimes evoluir duma forma relativamente rápida, sem
convulsões e com grande economia de recursos políticos. Noutros,
pelo contrário, ou as regras do jogo são objecto de contesta-
ção entre os grupos, ou não há possibilidade de as fazer evoluir
para se adaptarem a situações novas: assiste-se, então, ao fim
de algum tempo, a convulsões, que podem conduzir a uma ulterior aceitação generalizada de novas regras. Tanto na interpreta-
ção das regras adoptadas, como na sua alteração ou substituição
por regras novas, os grupos que ocupam o poder do Estado dispõem de uma posição privilegiada.
Interpretação de conjunto
No termo desta análise dos móbiles da vida política, uma
conclusão provisória pode ser proposta: os indivíduos e os grupos adoptam a via da actividade política, sempre que —numa
situação dada, apercebida segundo uma certa ideologia— consideram essa via como a mais adequada para obter determinadas
satisfações que procuram.
Quando dizemos «numa situação dada, apercebida segundo
uma certa ideologia», queremos exprimir que uma mesma situa-
ção é apercebida de maneiras muito diferentes por grupos portadores de ideologias diferentes: o que é decisivo não são, portanto, as situações «objectivas»,, mas as situações tais como são
diferentemente «apercebidas». E quando acrescentamos que os
grupos adoptam a via da actividade política, sempre que a consideram «como a mais adequada para obter determinadas satisfações», estamos a afirmar que não há distinção nítida entre
grupos políticos e grupos não-políticos. Sem dúvida, existem grupos especificamente organizados para a acção política, como os
partidos políticos, por exemplo. Mas estes grupos não possuem o
monopólio de tal acção, e nenhuma definição legal ou constitucional lho poderia conceder. Porque qualquer grupo social — associação, sindicato, igreja, etc.— adopta a via da acção política,
sempre que esta se lhe afigura necessária.
Quando se diz que tais ou tais grupos «não devem fazer
política», o que assim se exprime é uma preferência política ou
ideológica, de acordo com a qual, numa situação determinada,
só se considera legítima a actividade política de certos grupos;
e tanto assim é que, modificando-se as situações, também se mo-
86dificam as preferências, passando as mesmas pessoas a admitir,
por exemplo, que um dado grupo (digamos, uma igreja) intervenha na vida política, quando antes afirmavam que o não deveria
nunca fazer. Passando do plano das preferências ao da análise, o
que objectivamente se pode constatar é que a actividade política
não é um domínio reservado. Daí que as convulsões dos regimes
políticos sejam frequentemente provocadas pela vontade de grupos detentores do poder estatal de impedir a participação na vida
política a outros grupos sociais, que procuram a via da actividade política, mas aos quais se nega o direito de a adoptar.
4. Os grupos sociais e a sua dinâmica
A coesão e os objectivos dos grupos
O grupo é o quadro normal da vida política, a tal ponto
que esta poderia ser definida como a resultante de um certo
número de interacções de grupos. Por outro lado, sabe-se pelos
estudos dos sociólogos e psicólogos que os grupos influenciam
poderosamente os seus membros e, por conseguinte, o comportamento político dos indivíduos.
Ora, até este momento, falámos de grupos, mas não nos
interessámos pelo que dentro deles se passa. Eis o tema de que
vamos agora ocupar-nos.
A análise que iremos efectuar é válida sobretudo para os
grupos elementares (ou primários), grupos de pequena dimensão, nos quais cada um dos membros conhece cada um dos outros.
Certas conclusões obtidas a partir destes grupos podem, porém,
ser transpostas para grupos mais amplos, e mesmo para a sociedade global, embora com riscos de erro, o que obriga, portanto,
a tomar precauções. Assim sucede no caso do primeiro problema
que abordaremos, o da coesão dos grupos.
Não há grupos totalmente coesos; mas há grupos mais coesos do que outros. A coesão de um grupo define-se, pois, em
termos de grau ou, se quisermos, em termos de comparação. Diremos, assim, que um grupo é mais coeso do que outro, quando
nele há menos subgrupos e quando os conflitos ou antagonismos
entre os subgrupos são menos intensos. Por outro lado, a coesão
pode ser imposta ao grupo por meio de coacção, ou resultar das
satisfações obtidas do grupo pelos seus membros. É da coesão
resultante de satisfações que nos iremos ocupar. Ora, do ponto
de vista das satisfações proporcionadas pelo grupo aos seus membros, convém distinguir o grupo considerado como um fim, do
grupo considerado como um instrumento.
A participação em grupos pode constituir, só por si, uma
fonte de satisfações, e portanto um fim, na medida em que res-
87ponde a determinadas necessidades dos indivíduos — designadamente necessidades de sociabilidade, de actividade, de reconhecimento dos méritos próprios por terceiros, e de prestígio (quando
o facto de pertencer a certo grupo confere prestígio ao indiví-
duo). Mas essas satisfações acompanham-se de inconvenientes
inevitáveis ou possíveis. Com efeito, o simples facto de pertencer a um grupo limita as possibilidades de pertencer a outros
grupos (por incompatibilidade social ou por absorção de tempo),
Simultaneamente, pode acarretar cerceamento, para o indivíduo,
da esfera das suas relações sociais ou das suas actividades. Finalmente, pode verificar-se, no grupo, frustração das satisfações
esperadas pelos indivíduos. As alterações da opinião política
relacionam-se, aliás, frequentemente, com estas frustrações: por
exemplo, um grupo político cujo prestígio social declina, é desertado pelos indivíduos que através dele procuravam sobretudo prestigiar-se.
Mas um grupo pode também ser considerado, pelos seus
membros, como um instrumento, mediante o qual se propõem atingir certas finalidades. Simplesmente: as finalidades de um grupo
raramente consistem na soma das finalidades dos indivíduos que
o compõem. Por um lado, o grupo, pela sua própria existência,
influencia os seus membros, tendendo a tornar mais compatíveis,
mais próximas, as finalidades por eles prosseguidas. Por outro
lado, em cada grupo (por exemplo, em cada partido político),
há facções, organismos, subgrupos diversos, com diversas preocupações e finalidades. Além disso, os estudos empíricos revelam
divergências entre as finalidades dos grupos, tais como os dirigentes as apresentam, e as finalidades que lhes atribuem os simples membros sem responsabilidades de direcção. Talvez que os
objectivos reais de um grupo sejam uma resultante dos objectivos dos seus membros e das finalidades que estes lhe atribuem.
Seja, porém, como for, um grupo só conserva a sua coesão, se
uma certa conciliação se produz entre os fins visados pelos seus
vários subgrupos e entre a direcção e a massa dos aderentes.
Como pode chegar-se a tal conciliação? Somos, deste modo, postos ante o problema das escolhas no interior dos grupos.
As escolhas no interior dos grupos: o processo de decisão e
o problema da aceitação das decisões
Sob o aspecto que aqui nos interessa, escolher, num grupo,
é resolver tensões entre subgrupos ou entre indivíduos e o grupo,
atingindo-se assim um equilíbrio dinâmico que permite adapta-
ções.
A actividade de qualquer grupo implica a solução colectiva
dos problemas que o grupo defronta. Pressupõe, portanto, um
88processo de decisão. Fademos distinguir neste vários estádios,
cada um com os seus problemas específicos.
O primeiro estádio é o da formulação da questão: quem a
formula? e em que termos é formulada? Em muitos grupos, há
problemas que não são abordados, pura e simplesmente porque
não são formulados — por não haver quem os formule ou não ser
legítimo formulá-los. Além disso, os termos em que uma questão
é inicialmente formulada têm uma importância decisiva; dependem, porém, de quem a formula.
O segundo estádio é o da troca de informação. Os membros
e subgrupos do grupo, interessados na questão, dispõem acerca
dela de «informações» diferentes que têm de pôr em comum para
se chegar a uma decisão. Esta permuta de informações pressupõe, todavia, a existência de uma estrutura de comunicação, que
nomeadamente compreenda: 1) uma linguagem comum, 2) interpretações não rigorosamente incompatíveis da situação e do problema em causa, e 3) não-monopólio da informação.
À troca de informação sucede-se o estádio da discussão, que
é o do confronto das informações, de modo a circunscrever os
limites da escolha que o grupo deve efectuar. Para que, através
da discussão, o grupo se encaminhe para a solução do problema,
é, contudo, necessário que, mesmo inconscientemente, os antagonismos iniciais tendam a atenuar-se, as atitudes ou concepções
opostas tendam a aproximar-se, os papéis desempenhados no
grupo, e a princípio incompatíveis, progressivamente se compatibilizem. Numa palavra: a solução requer um reforço da coesão do
grupo, obtido através da própria discussão.
À discussão deve seguir-se a escolha. Mas aqui há que distinguir vários métodos de escolha possíveis, os quais podem, aliás,
apresentar-se formalizados em muito diferentes graus.
O acordo geral, método não formalizado, é o mais corrente.
Após a discussão, vem um momento em que, muito simplesmente,
se faz constatar que todos chegaram a acordo. A frequência com
que se recorre a este método revela que, na maior parte dos casos,
a preocupação dominante nos grupos é a de preservar ta sua
coesão.
Um segundo método, o voto, aparece quando a unanimidade
não é conseguida. Pois que o acordo geral não se alcança, os
membros do grupo têm de contar-se, o que põe três grandes problemas: o de quem propõe a votação, o de quando se efectua o
escrutínio e o de como se vota. A identidade de quem propõe
a votação é muito importante, porque condiciona a reacção dos
que irão votar. O momento, ou estádio, da discussão em que o
voto intervém é igualmente crucial, pois os resultados da vota-
ção serão distintos, consoante o momento em que esta se efectua.
Mas o processo segundo o qual se vota não é menos fundamental,
porquanto também condiciona basicamente os resultados que se
89apuram nas votações; ora, tal processo encontra-se;
em certos
grupos ou para certos casos, previamente definido e não pode
ser alterado; noutros, porém, não há regras predeterminadas,
e então as votações sobre o processo de votar tornam-se, por vezes, mais importantes que as votações sobre as questões de fundo.
A delegação é um outro método de escolha: voluntária ou
involuntariamente, o grupo confia a outrém (indivíduo ou grupo)
o encargo da decisão. Por exemplo, em qualquer comissão, criar
uma subcomissão é um dos processos clássicos de decidir: geralmente, as escolhas feitas na subcomissão, e propostas à comissão
que a nomeou, vêm a ser adoptadas por esta, que assim torneia
a sua própria incapacidade para decidir, decidindo por delegação.
Por vezes, também a acção de um dirigente que toma todas as
decisões pode ser analisada em termos de delegação: assim sucedeu com o General DE GAULLE, que durante três anos decidiu
da política argelina, por delegação implícita de praticamente
todas as forças políticas francesas.
Finalmente, há o método de escolha que consiste na ausência ou adiamento da decisão. Trata-se? de facto, de um método
de escolha, porquanto não escolher é ainda fazer uma escolha.
Mas esta pode efectuar-se de muitos modos, desde a decisão de
pura e simplesmente não tocar no assunto, até a nomeação de
uma comissão destinada a «enterrar» o problema.
Feita, porém, a escolha, que probabilidades há de ser aceite?
A propósito deste problema da aceitação das escolhas (ou, se
preferirmos-, da execução das decisões), que é fundamental na
vida política, duas hipóteses merecem ser examinadas: a da participação e a da legitimidade.
Segundo certos sociólogos, é tanto mais provável que uma
decisão seja aceite, quanto mais tenham participado nela aqueles a quem diz respeito (hipótese da participação). Esta hipótese
resulta de se admitir que é mais provável que o indivíduo «interiorize» (isto é: se sinta responsável por) uma decisão em cujo
processo de elaboração participou, do que uma decisão para a
qual não concorreu. De facto, um certo número de experiências
revelou que, pelo menos em certos casos, os grupos «democrá-
ticos» podem obter dos seus membros um assentimento que eleva
a eficácia das decisões. Não devemos, no entanto, generalizar a
pa r t ir desta hipótese, salvo para constatar que a participação
tem uma vantagem dificilmente contestável: a de as decisões tomadas em comum serem melhor conhecidas e melhor interpretadas pelos executantes do que as decisões simplesmente impostas.
A segunda hipótese é a da aceitação proporcional à legitimidade. Reconduz-nos ao problema, já anteriormente abordado,
da legitimidade do poder. Um poder reconhecido como legítimo
pode mais facilmente fazer aceitar as suas decisões: economiza
recursos para se fazer obedecer.
90As tensões nos grupos: os «actores», os motivos e os modos
de resolução das tensões
Quando as escolhas não são aceites, os conflitos não ficam
resolvidos: dizemos então que no grupo subsistem tensões.
Ora, quem são os «actores» das tensões? Podemos defini-los
como subgrupos ou indivíduos que no grupo ocupam posições
e desempenham papéis parcialmente incompatíveis. Pense-se, por
exemplo, nos assalariados e accionistas duma empresa, ou em
um director técnico e um director de vendas: tanto entre aqueles
como entre estes, é lógico que surjam conflitos, porque as suas
posições e os seus papéis na empresa são relativamente contraditórios. No interior da maior parte dos sistemas políticos, a existência de posições e papéis sociais pelo menos em parte incompatíveis determina oposições inevitáveis entre indivíduos ou
grupos. Certos princípios de funcionamento da sociedade política
podem mesmo basear-se em tais incompatibilidades: assim, por
exemplo, o clássico princípio da separação dos poderes o que pretende é criar entre diferentes instituições (governo, assembleias, ...) uma incompatibilidade parciaf de posições e de fun-
ções, a fim de, através dessa incompatibilidade antecipadamente
construída, se obter uma desejada limitação e controle do poder.
Um caso particular de tensões, que é especialmente importante, é o das que podem surgir na relação entre os dirigentes
de um grupo e os membros da base, traduzindo-se então em divergências atinentes, quer às finalidades a prosseguir, quer à situa-
ção do grupo. Também essas tensões têm origem numa inevitá-
vel incompatibilidade parcial de posições e de interesses, entre
os líderes e a massa. Nos casos extremos, aqueles serão acusam
dos por esta de «traição».
Se dos «actores» das tensões passarmos à substância destas, isto é: aos motivos das tensões, poderemos distinguir quatro
tipos que, aliás, nem se excluem uns aos outros, nem excluem
outros tipos possíveis. O primeiro é o das tensões motivadas por
divergências acerca da composição do grupo; de facto, qualquer
modificação nesta, por alargamento ou restrição, implica alteração no jogo de forças dentro do grupo; pode conduzir, portanto,
a mudanças de orientação; donde, a possibilidade daquelas divergências. O segundo é o das tensões motivadas por divisões respeitantes à orientação do grupo, isto é: à actividade que o grupo
deve desenvolver, aos objectivos que deve propor-se; as tensões
deste tipo, que são as mais frequentes, produzem-se sobretudo em
face de problemas novos, que põem em causa as finalidades, a
composição, os métodos e o equilíbrio interno do grupo. Há ainda
(terceiro tipo) as tensões relacionadas com os métodos — por
exemplo, acção legal ou acção clandestina, luta eleitoral ou lutarevolucionária, etc —através dos quais deverão ser prosseguidos
os objectivos do grupo. E há, finalmente, as tensões relacionadas
com o poder dentro do grupo, ou seja: com o acesso ao poder,
com a substituição de dirigentes.
Que se passa num grupo cujas tensões internas se não resolvem? A primeira consequência é a formação de subgrupos
que não existiam antes ou o declínio da comunicação entre os
subgrupos que existiam já. Esta consequência tem efeitos cumulativos, de modo que se assiste a uma progressiva «cristalização»
dos subgrupos. As tensões tendem, pois, a agravar-se; as solu-
ções tornam-se cada vez mais difíceis; as divergências vão-se
acentuando. Mas. à medida que as tensões se desenvolvem e perpetuam, produzem-se frustrações que, por um lado, resultam do
bloqueamento das satisfações desejadas por determinados subgrupos ou mesmo por todo o grupo, e por outro, dão origem
a fenómenos de agressividade. Esta pode, porém, dirigir-se, quer
contra elementos do mesmo grupo (indivíduos ou subgrupos),
quer contra elementos exteriores (outros grupos, nomeadamente).
Finalmente, podemos distinguir três modos fundamentais de
resolução das tensões. Em primeiro lugar, pode verificar-se uma
alteração na composição do grupo, quer por cisma, quer por exclusão de um subgrupo, quer ao contrário por inclusão de novos
membros; ap,ós a alteração, o grupo recobra a coesão ou o equijlíbrio que lhe permite, de novo, fazer face aos problemas por
motivo dos quais a divisão surgira. Em segundo lugar, pode verificar-se uma alteração na repartição dos poderes ou das fun-
ções, no interior do grupo,, entre subgrupos ou entre indivíduos:
a substituição da equipa dirigente, ou simples modificações dentro desta, são casos particulares de uma tal alteração. Finalmente,
pode produzir-se —como dizíamos acima— uma agressão. Esta
pode, porém,, ser uma agressão interna, dirigida contra os «perturbadores» ou os «traidores», isto é: contra «bodes expiatórios»,
vencidos ou eliminados os quais o grupo reencontra a coesão
perdida, ou uma agressão externa, dirigida contra um inimigo
exterior, real ou imaginário, cuja existência permite canalizar para
fora do grupo energias agressivas que punham em risco a sua
já precária coesão.
5. A interacção entre os grupos e os indivíduos
Os «grupos de referência»
Antes de abordar os problemas da interacção entre os grupos e os indivíduos que os compõem, convém recordar a clássica
distinção entre grupos reais e categorias.
Grupos reais são aqueles cuja existência é apercebida e re-
92conhecida pelos seus membros (v. g., uma associação, um clube,
um partido, e t c ). Formados por indivíduos que, pelo menos em
parte, se reúnem, apresentam-se com determinada estrutura.
Quanto às categorias, é a partir de critérios fixados por um observador que elas se definem, como simples conjuntos estatísticos
de indivíduos. Pode-se, por exemplo, dividir uma população em
categorias, de acordo com a cor dos olhos. Trata-se apenas de
saber se as categorias assim obtidas são ou não relevantes para
a análise de problemas em estudo. Ora, se categorias definidas
pela cor dos olhos raramente serão relevantes, já categorias definidas pela cor da pele frequentemente o são.
Esta distinção, apesar de útil, não é totalmente satisfató-
ria. Por exemplo, as classes sociais podem ser apercebidas como
reais pelos indivíduos, e todavia apresentarem-se desprovidas de
estruturas próprias, de dirigentes, de organização.
Preferível é, por conseguinte, utilizar a noção de grupo de
referência, da qual precisamente a classe social é um exemplo.
Se os indivíduos consideram que as classes sociais existem, se
sentem que lhes estão de algum modo ligados, pouco valem os
argumentos de sociólogos ou economistas para negar realidade
às classes, com base na subjectividade da sua definição; pois o
que importa é? exactamente, a realidade psicológica do fenómeno,
ou seja: o facto de os indivíduos «referirem» o seu comportamento à existência de classes em que se incluem a si mesmos ou
em que pretendem ver-se incluídos.
A acção dos grupos sobre os seus membros
A acção dos grupos sobre os seus membros pode ser analisada de vários modos. Basicamente, convém distinguir o grupo
como quadro de referência, do grupo como quadro de acção.
Como quadro de referência, o grupo influencia, em primeiro
lugar, a própria percepção da realidade social, pelos membros do
grupo. O facto de se pertencer a um dado grupo faz com que
se apercebam certos fenómenos e não se apercebam outros: a
percepção é «selectiva», mas a sua selectividade varia de grupo
para grupo. É assim que um grande número de inquéritos
comprova que as mesmas situações políticas são apercebidas
de diferentes modos por indivíduos pertencentes a grupos polí-
ticos diferentes. Em segundo lugar, o grupo influencia a interpretação dos factos apercebidos: deste modo, ainda que sejam
os mesmos os factos que os membros de distintos grupos apercebem, as suas interpretações desses factos podem diferir substancialmente. Em terceiro lugar, o grupo influencia a memória
dos seus componentes: na sua natureza, como na sua interpretação, os factos de que se conserva memória e as referências his-
05tóricas que pesam nos comportamentx)s presentes, variam muito
de grupo para grupo. Finalmente, o grupo, influencia as motivar
ções dos indivíduos, fornecendo-lhes razões de agir. Tudo isto
constitui um conjunto de influências muito poderoso, que explica
que os membros de um mesmo grupo tendam a assemelhar-se
entre si. Ao mesmo tempo, concorre para que certos conflitos
entre grupos possam perpetuar-se por puro e simples «mal-entendido», isto é: por divergências quanto ao modo de aperceber
e interpretar situações.
Como quadro de acção, o grupo exerce sobre a actividade
dos seus membros o que os psicólogos chamam um efeito de facilitação. Proporciona-lhes, com efeito, um certo número de «recursos». A eficácia da facilitação depende, porém, de vários factores, dos quais o primeiro é o número de membros, a dimensão
do grupo. Quanto maior esta é, mais suscita nos indivíduos um
sentimento de eficácia. Todavia, para além de certo limite, a
dimensão tende a reduzir a intensidade da participação interna
no grupo, invertendo portanto aquele efeito e tornando necessário
um certo grau de descentralização. A homogeneidade do grupo
é outro factor favorável, porquanto reforça a coesão. Também
aqui, porém, a grande dimensão põe problemas, pois quanto mais
numeroso é um grupo, menos provável é que possa manter-se
homogéneo. A tensão entre homogeneidade e dimensão é, aliás,
uma das constantes de qualquer grupo que procura participar
activamente na vida política. Terceiro factor favorável, a satisfação com os dirigentes reforça a participação dos indivíduos no
grupo e a influencia do grupo sobre os seus membros; pode igualmente ser prejudicada pelo crescimento quantitativo do grupo,
uma vez que a heterogeneidade, que este acarreta, dificulta a
«identificação» dos membros do grupo com os seus chefes. Por
último, é factor importante o grau de afinidade entre a actividade política e as outras actividades do grupo (quando se trate
de grupos não especificamente constituídos para fins políticos).
Por exemplo, é muito mais fácil a um sindicato do que a um
clube desportivo influenciar os seus membros no terreno da acção
política, porque a actividade sindical é muito mais afim da vida
política do que o desporto.
A participação num grupo tem efeitos cumulativos. Quanto
mais intensamente os indivíduos participam na vida do grupo,
mais tendem a adoptar as atitudes e os comportamentos que mais
diferenciam o grupo do resto da sociedade. Igual efeito tem a
duração da participação individual. Assim, um grupo é composto,
em seu núcleo central, por indivíduos que, estando fortemente identificados com ele, se revelam por isso mesmo muito diferentes,
não só dos indivíduos exteriores do grupo, como também dos
outros membros, menos engagês, do seu próprio grupo. O militantismo, fenómeno que põe sérios problemas aos partidos organnizados em base militante, é uma das formas típicas dessa diferenciação que, embora resultante de uma participação intensa
e prolongada na vida do grupo,, pode levar a uma tal separação
entre o núcleo dos militantes e os demais membros do grupo, que
a coesão deste e eficácia da sua influência sobre a massa resultem enfraquecidas.
Efeitos da participação em múltiplos grupos: as pressões cruzadas
Até agora, raciocinámos como se cada indivíduo pertencesse
a um só grupo ou nele desempenhasse um só papel. Abandonaremos doravante esta hipótese simplificadora, que não corresponde
à realidade.
De facto, os indivíduos pertencem, necessariamente, a um
grande número de categorias — de sexo, de idade, de profissão,
de religião, de opinião política, etc. Participam também em vá-
rios grupos simultaneamente: associações de diversos fins, igrej a s, partidos, etc.
Esta participação múltipla pode ter um efeito de reforço
de umas participações por outras. Assim, o facto de um indiví-
duo participar, ao mesmo tempo,, num partido político e num
sindicato, numa associação de jovens e numa organização religiosa, pode reforçar, em cada um desses grupos, a sua posição
e a sua influência. Noutros casos, porém, que são os mais interessantes, a participação múltipla faz surgir incompatibilidades,
que sujeitam o indivíduo a pressões cruzadas (ou contraditórias):
as «cross pressures» dos autores anglo-saxónicos.
De que natureza podem ser estas incompatibilidades? Podemos distinguir três tipos. O primeiro é o das incompatibilidades
ideológicas, tomando aqui «ideologia» no seu mais amplo significado de fundamento político, social ou religioso de uma dada
ordem social. Assim, por exemplo, uma grande parte da população polaca está hoje sujeita a pressões cruzadas, ideologicamente contraditórias, da Igreja e do Estado. O segundo tipo é
o das incompatibilidades entre uma ideologia e determinados interesses. Exemplo: muitos operários franceses, cujos interesses
são? de facto, melhor defendidos pelos sindicatos e pelo partido comunista^ votam,; no entanto, potr DE GAULLE, devido à
pressão sobre eles exercida pela ideologia de grandeza nacional
incarnada pelo General. Finalmente, o terceiro tipo é o das incompatibilidades entre interesses diferentes. Por exemplo: um trabalhador poderá ver-se sujeito a pressões contraditórias, derivadas
dos seus interesses como assalariado (alta dos salários) e dos seus
interesses como consumidor (estabilidade dos preços).
Quais são os efeitos destas incompatibilidades e destas pres-
95soes cruzadas? Um primeiro efeito pode ser a copaéia, ou seja;
a recusa a escolher, o refúgio na abstenção. Assim se explica,
em grande parte, o abstencionismo eleitoral em certos países.
Segunda possibilidade: a negação psicológica da incompatibilidade, o esquecimento de que a contradição existe. Por exemplo:
um católico pode efectivamente esquecer (fenómeno de «censura
psicológica» inconsciente) as exortações do Episcopado aos cató-
licos para que não votem em determinados partidos. Certos in»
quéritos têm revelado que, por vezes, os indivíduos se esquecem
mesmo do modo como votaram, isto é: de a quem deram o seu
voto. Terceira e última possibilidade: a escolha propriamente dita,
efectuada sem negação do conflito. Provavelmente, porém, a generalidade das escolhas assim feitas resulta, muito simplesmente,
da pressão mais forte. É assunto, no entanto, ainda mal estudado.
A acção do indivíduo sobre o grupo: a liderança
A liderança não é o único modo de influência do indivíduo
sobre o grupo. É, porém, o principal. De qualquer modo, só dele
nos ocuparemos aqui.
Há uma forma tradicional de analisar a liderança, que consiste em procurar descobrir e enunciar «as qualidades do chefe».
Parte-se, assim, da ideia de que o líder é o indivíduo que possui
determinadas «qualidades pessoais». A análise moderna abandonou esta ideia, encarando a liderança, não em termos de qualidades pessoais, mas em termos de situação. Diremos, pois, que,
numa situação dada, perante certos problemas, um grupo social
tem necessidade de uma liderança de determinado tipo. Não existe,
portanto, uma definição única das qualidades necessárias para
liderar um grupo, mas uma lista de conjuntos de qualidades que
se adequam, para efeitos de liderança, a outras tantas situações.
Façamos, porém, um breve enunciado preliminar das funções
desempenhadas pelos líderes nos grupos. Podemos distinguir cinco:
l.
a
) a função de coordenador: conjugação dos indivíduos e dos
subgrupos numa acção comum; 2.
a
) a função de planificador:
previsão e organização das actividades do grupo, com vista ao
futuro; introdução de novações, perante situações novas; 3.
a
) a
função de perito: conhecimento dos problemas, invenção de solu-
ções; 4.
a
) a função de representante ou embaixador: representação do grupo para o exterior, defesa do grupo na sociedade,
conquista de vantagens para o grupo; 5.
a
) a função de símbolo
e modelo: incarnação dos valores do grupo perante os seus pró-
prios membros.
Algumas destas funções podem ser consideradas instrumenr*
tais. Outras, porém, são afectivas — o que implica determinadoa
riscos. Assim, por exemplo, o símbolo transforma-se facilmente
96em responsável: atribui-se-lhe tanto o que, aos olhos do grupo,
vai bem, como o que vai mal. Esta responsabilização do líder —
òu, se quisermos, esta delegação — tem raízes psicológicas profundas: o líder pode encarnar, no grupo, a figura do pai. Com
efeito, os membros de um grupo podem, muito facilmente, em
certas circunstâncias, regressar a um estádio infantil de comportamento. Assim, em matéria política, quando um grupo (ou
mesmo uma sociedade) se sente incapaz de resolver um problema
grave, acontece frequentemente que «se entrega», com plenos poderes explícitos, a um dos seus dirigentes, esperando que ele encont re uma solução qualquer. Não é, então, o fundo do problema o
que interessa ao grupo (ou à sociedade), mas o simples facto de
se ver desembaraçado da responsabilidade de o resolver, me^
diante transferência dessa responsabilidade para um «pai». Simplesmente, o responsável (ou «pai») facilmente se muda em «bode
expiatório». O caso de Pierre MENDÈS-FRANCE é bem exemplificativo de uma mutação deste género: tendo resolvido o problema da Indochina, no uso da delegação de poderes que para
esse efeito lhe fora concedida e em termos que não levantaram
objecção, logo após foi encarado como responsável pelo «pecado»
comum do abandono.
Regressemos, porém, ao problema das qualidades do líder.
As experiências de BALES e dos seus colaboradores parecem provar que há três grupos de qualidades que são necessárias, consoante as situações, para o desempenho das funções de liderança.
Primeiro grupo: o das qualidades de competência. Um grupo faz
apelo, em determinadas situações, àqueles a quem atribui a experiência ou os conhecimentos necessários para o ajudar a resolver os problemas que defronta. Segundo grupo: o das qualidades de popularidade. Em certas situações, as personalidades mais
dotadas em capacidades de atrair simpatias são as que, mais
provavelmente, os grupos adoptarão como líderes. Terceiro e último grupo: o das qualidades ide habilidade social. Há situações
nos grupos em que o indivíduo mais capaz de manipular os outros, de t i r ar partido de oposições existentes e/ou de resolver conflitos, é aquele que, com maior probabilidade, o grupo reconhecerá
como chefe.
Em suma: certas situações exigem um líder competente; outras, um líder popular; outras ainda, um líder hábil. Não há,
por conseguinte, como já dissemos, uma definição única do líder
e das suas qualidades. De resto, a confusão, num mesmo indivíduo, daqueles três grupos de qualidades, é r a r a: só em personalidades excepcionais se verifica. Na maior parte dos casos, é uma
coalizão de dirigentes (e não um chefe único) que exerce as diversas funções e possui as diferentes qualidades da liderança.
Nestes casos, a coesão do grupo, ou mesmo de uma sociedade,
aparece estreitamente ligada à coesão da respectiva equipa lide-
97rante. Daí que, por todo o tempo em que uma dada coalizão
de líderes se mantém coesa, pouco provável é que perca o poder.
Daí também que o maior risco de perda de poder seja, frequentemente, o que resulta de cisões internas na própria equipa
dirigente.
6. Consenso e conflitos na sociedade política
Natureza dos antagonismos entre os grupos
Depois de ter analisado), em alguns aspectos mais relevantes,
as relações entre os grupos e os indivíduos, as influências recí-
procas que entre aqueles e estes se produzem, falta-nos examinar
o modo como os grupos agem uns sobre os outros. De facto, partindo da hipótese de que a vida política é a resultante de forças
exercidas por grupos (hipótese útil, que no entanto impõe um
limite de validade à análise efectuada, uma vez que deixa de lado
toda a problemátca da psicologia política individual), importa
analisar os antagonismos, os conflitos e o possível consenso entre
esses grupos.
Admitiremos — ao menos porque é mais fácil conjduzir a aná-
lise a partir desta suposição — que o antagonismo é a regra geral
na sociedade política. O consenso será, então, um caso-limite: o
grau zero do conflito.
Interroguemo-nos, antes de mais, sobre a própria natureza
dos antagonismos. Os mais frequentes, e os melhor conhecidos
historicamente, são os antagonismos étnicos. Manifestam-se entre
grupos que mutuamente «se excluem» e surgem tanto à escala
da sociedade política,, como à escala da sociedade internacional.
Tomam frequentemente o aspecto de antagonismos religiosos,
uma vez que não é raro serem muito estreitos os laços entre religiões e grupos ètnicamente distintos.
Não menos importantes, os ^antagonismos sócio-económicos
exprimem uma rivalidade quanto à repartição dos bens e serviços,
ou quanto ao estatuto dos indivíduos dentro de um dado sistema
social. Ligam-se, pois, por um lado, a uma aspiração a mais riquezas ou, pelo menos,, a uma parte constante das riquezas (se
porventura essa parte está em risco de diminuir), e por outro, a
uma vontade de dignidade, estável ou crescente, num dado sistema hierarquizado. São desta natureza os antagonismos entre
as classes sociais, ou entre grupos de pressão, por exemplo.
Uma das hipóteses mais interessantes, apresentadas nos últimos anos, acerca dos antagonismos sócio-económicos, incide sobre
o seu carácter mutável, nas sociedades já relativamente desenvolvidas. De acordo com essa hipótese, enunciada por Daniel BELL,
nos períodos de crise ou de recessão^ os antagonismos socio-econó-
98micos tendem a pôr-se em termos de classes sociais: por decrescer a quantidade dos recursos económicos disponíveis, criam-se
ou recriam-se vastas solidariedades de classe que simplificam o
contexto da vida política e cujo antagonismo tem por móbil fundamental a repartição dos recursos; pelo contrário, nos períodos
de expansão, quando os recursos disponíveis aumentam e nenhuma
classe ou grupo importante se encontra em risco de ver reduzidos os seus recursos próprios, as solidariedades de classe fragmentam-se, desenvolvendo-se então a vida política, num quadro
mais complexo, através de múltiplos conflitos de categorias, cujo
móbil é o prestígio, o grau de dignidade do seu estatuto social:
cada grupo receia ver diminuída a sua posição na hierarquia da
sociedade, ou em absoluto (abaixamento na escala social),, ou relativamente (ascensão de outros grupos a uma posição mais elevada). Efectivamente, um certo número de estudos, realizados
em França e nos Estados Unidos, mostram que, por exemplo, o
«poujadismo» e o movimento da extrema-direita norte-americana
se explicam, provavelmente, pelo receio de certos grupos de perderem o seu prestígio social ou de o verem reduzido pela ascensão
de grupos que, anteriormente, lhes eram muito inferiores.
Finalmente, há que referir os antagonismos estritamente
políticos ou ideológicos, que não são redutíveis a nenhuma das
categorias anteriores. Com efeito, num grande número de sociedades, há antagonismos políticos e ideológicos que existem independentemente das oposições étnicas, religiosas ou socio-económicas, e
sobrepondo-se-lhes. Traduzem a vontade de certos grupos de impor as suas concepções da sociedade política, das relações que devem
existir entre governantes e governados e dos fins para que a sociedade política deve tender.
Fundamentos da coesão da sociedade política
Quais podem ser os fundamentos da coesão numa sociedade
política formada por grupos antagónicos? A análise obriga a distinguir, basicamente, os seguintes: a legitimidade, a compatibilidade dos interesses e a resignação (ou indiferença).
Quando há legitimidade — isto é: quando os governantes são
reconhecidos como legítimos —, os poderes públicos beneficiam do
assentimento espontâneo dos governados. A coacção exercida pela
sociedade política não sofre, pois, contestação e pode, por isso,
ser economizada.
Como se sabe, Max WEBER distinguiu três tipos, hoje clássicos,
de legitimidade: o tradicional, o funcional (ou jurídico) e o carismático. A legitimidade do primeiro tipo repousa numa crença t r adicional, de cunho religioso ou quase-religioso: caracteriza a autoridade dos próprios chefes religiosos, como caracterizava,, ou ca-
99racteriza ainda, a autoridade dos monarcas. A legitimidade ú®
segundo tipo assenta na definição, em termos institucionais, j u r í-
dicos, de uma dada função: caracteriza, por exemplo, a autoridade
de um governante eleito segundo as regras de uma Constituição,
que é reconhecida, ela própria, como legítima. Finalmente, a legitimidade carismática é a confiança dada a uma pessoa a quem,,
numa dada situação, se atribuem excepcionais qualidades e dons
para a resolução de certos problemas. Em suma: a primeira assenta
no respeito da crença, a segunda no respeito das regras, a terceira
na própria pessoa (ou antes: na personalidade<[ae se lhe atribui).
Há, porém, um outro tipo de legitimidade, que Max WEBER
não considerou: o da legitimidade revolucionária. De facto,, em
sociedades que atravessam um período de transformação profunda
e se encontram politicamente não-estabilizadas, nem as crenças
tradicionais, que se desagregam, nem as regras jurídicas, que são
flutuantes, podem fundar eficazmente a legitimidade dos governantes. Estes procuram, então,, baseá-la nos objectivos que visam,
nas finalidades que propõem ao conjunto dos cidadãos, na acção
que pretendem desenvolver. Assim, em certas sociedades, é a «revolução permanente» que legitima o poder dos governantes; noutras, menos tensas, a modernização ou a melhoria do nível de vida
constitui uma fonte de legitimidade comparável à da legitimidade
revolucionária.
Porém,, a interiorização pelo conjunto dos governados do carácter legítimo dos governantes é talvez uma excepção. Os inqué-
ritos não provam que a maioria dos cidadãos aceite os governantes
como totalmente legítimos. Com efeito, num apreciável número
de sociedades, mesmo relativamente estabilizadas sob o ponto de
vista político, encontra-se, em grande parte dos indivíduos, uma
hostilidade aos poderes públicos,,, tais como estão constituídos.
Mas, sendo assim, como se mantém a coesão?
A coesão pode resultar da compatibilidade dos interesses dos
diferentes grupos em manter um dado sistema. Neste caso, a sociedade política, contendo embora um grande número de antagonismos, não deixa, no entanto, de constituir um sistema cujas vantagens são reconhecidas por vários sub-sistemas, isto é: por diferentes grupos. Antagónicos, os interesses destes grupos são, apesar
disso, compatíveis ao nível do sistema que os engloba. Encontramos, assim, o que podemos designar de dialéctica dos associados-
-rivais, dialéctica que se depara igualmente, por exemplo, no
interior duma empresa. A coesão resultante de uma tal compatibilidade de interesses em relação ao sistema só pode manter-se
até ao momento em que os antagonismos dos grupos não atinjam
uma acuidade tal, que o próprio sistema seja posto em causa.
Terceiro fundamento possível da coesão: a resignação, ou
mesmo a indiferença, perante o sistema. Num certo número de
sociedades — e podemos tomar o exemplo da Polónia, onde foram
100efectuados ultimamente inquéritos sobre esta matéria—, verifica-se que o regime político só é legítimo para uma pequena minoria. Igualmente se constata aí que os interesses expressos por
grupos importantes não são compatíveis: se lhes fosse possível,
certos grupos poriam, portanto, em jogo a própria existência do
regime. Mas, ao mesmo tempo, verifica-se que esses grupos estão
conscientes da impossibilidade em que se encontram de por em
causa os fundamentos do sistema^ resignando-se pois a aceitá-lo,
por vezes na esperança de o ver mudar no futuro. Nestas condições,
a «despoliticização» é muito ampla: os inquéritos mostram que a
vida política não interessa aos polacos, que as decisões dos governantes são consideradas como «exteriores» à vida dos indivíduos
e que estes concentram o seu interesse na vida pessoal, familiar
e profissional. Apesar da hostilidade ao poder constituído, predomina, por conseguinte, a resignação. Na União Soviética,, não
haverá talvez hostilidade; mas são os próprios responsáveis polí-
ticos a assinalar a grande extensão da indiferença. Em certo sentido, parece ser possível dizer quase outro tanto da Grã-Bretanha
ou dos Estados Unidos. Com efeito, um certo número de inqué-
ritos efectuados nestes países revela que, ao contrário do que se
supunha, a vida política não repousa aí —ou,, pelo menos, não
repousa aí totalmente — sobre um consenso largamente difundido
na população. Designadamente, a adesão aos valores democráticos,
muito intensa num escol, é de certo modo exterior, indiferente,
às preocupações de amplas camadas da população: joga-se, decerto
o jogo político conformemente às regras democráticas; mas porque
são, muito simplesmente, as regras estabelecidas, não porque se
lhes atribua uma grande importância.
Em resumo: parece provável que, na maior parte das sociedades políticas, a coesão repouse sobre uma combinação, aliás
variável, dos três elementos apontados. Haverá grupos que consideram o poder do Estado como legítimo; haverá grupos cujos
interesses convergem na manutenção de um dado sistema; haverá,
enfim, uma ampla resignação e uma vasta margem de indiferença.
O peso de cada um destes elementos combinados caracteriza regimes políticos diferentes.
A passagem do conflito ao consenso entre grupos
A hipótese de um consenso perfeito, de uma ausência total
de conflitos, não tem interesse para a análise política. Nenhuma
sociedade conhecida se nos apresenta sem conflitos. Sem dúvida,
tiá sociedades cujos dirigentes negam a existência de conflitos;
mas uma tal afirmação, necessariamente suspeita, deve levar-nos
a perguntar quem é que*, nessas sociedades, tem interesse em negar
101a existência de conflitos. Todavia, em certos casos, pode verificar-se passagem do conflito ao consenso.
Em primeiro lugar, pode ocorrer a desaparição, total ou
parcial, das causas do conflito, e portanto do próprio conflito.
Como pode, por exemplo;, evoluir um conflito étnico? Pode desaparecer por eliminação física (caso dos judeus na Europa nazificada) ou territorial (caso dos árabes na Península Ibérica)
de um dos grupos em presença. Pode igualmente desaparecer por
fractura do sistema e subsequente separação política dos dois
grupos (caso dos irlandeses e ingleses, que formaram Estados
distintos ). Ou pode simplesmente atenuar-se, por diminuir a
importância do conflito (caso das guerras de religião, nos países
europeus). Mas a desaparição total de um conflito é um fenómeno
relativamente raro, que normalmente se verifica mediante fraccionamento do corpo político em sociedades separadas. É assim
que, presentemente, na Bélgica e no Canadá, se assiste à intensificação de conflitos étnicos, que estavam, há muito, simplesmente
atenuados. E não é impossível que tais conflitos conduzam, finalmente, ao fraccionamento desses países.
Em segundo lugar,, pode verificar-se a superação do conflito. Este não desaparece, mas é considerado secundário, porque os grupos em conflito atribuem maior importância à solidariedade no interior do sistema que os contém. É o que sucede,
nomeadamente, quando a sociedade global se encontra sujeita a
uma ameaça exterior. Daí que as «ameaças externas», reais ou
imaginárias, sejam frequentemente utilizadas por grupos detentores do poder do EstadQ, a fim de reforçar a coesão interna
de sistemas enfraquecidos.
Finalmente, pode também ocorrer uma decapitação das élites de certos grupos. Tal «decapitação» toma, por vezes, a forma
de eliminação física. Mais frequente, porém, é o caso em que a
élite dirigente da sociedade absorve (ou integra^, como quisermos
dizer) os dirigentes de outros grupos, com os quais se encontrava em relação antagónica. A absorção, assim efectuada, pode
constituir uma operação de puro maquiavelismo (corrupção); mas
pode também corresponder a uma necessidade de governo (caso,
por exemplo, dos dirigentes sindicais chamados a participar na
elaboração da política económica).
Esta última forma de passagem do conflito ao consenso é facilitada pela circunstância de, na maior parte das sociedades, não
ser possível evitar que os dirigente^, mesmo de grupos antagó-
nicos, constituam, em conjunto, um grupo com certos interesses
comuns, opostos aos de todos os que não são dirigentes.
7. Conclusão: o problema das élites políticas
Ocupámo-nos, até agora, dos grupos, da sua dinâmica in-
102terna, da sua interacção com os indivíduos, da própria interac-
ção dos grupos uns com os outros. Sempre colocámos, porém,,
todos os grupos no mesmo plano, não levando em conta, por conseguinte, as desigualdades de poder que, em todas as sociedades,
entre eles existem.
Interessa, pois, a concluir, destacar ao menos o fenómeno
oligárquico, comum a todas as sociedades políticas, com a única
excepção de certas comunidades iditas «primitivas». Consiste ele
em que — mais ou menos homogéneas, mais ou menos conscientes
do seu interesse comum— existem élites políticas, caracterizadas
pelo facto de serem elas que tomam as decisões fundamentais,
respeitantes quer ao funcionamento corrente da sociedade, quer
ao modo como são postos e eventualmente resolvidos os grandes
problemas com que a sociedade se defronta.
Ora, em que medida podem essas minorias assegurar o consenso? Focaremos, deste problema, apenas a sua relação com a
legitimidade e a adaptabilidade das élites.
A legitimidade das élites
Na maior parte das sociedades, as élites políticas procuram fundar-se num princípio de legitimidade. Contudo, os tipos
de legitimidade que se esforçam por difundir e utilizar variam
com o estado da sociedade política. iSob este aspecto, convém
distinguir, como casos extremos, as sociedades politicamente estabilizadas e as sociedades politicamente não-estabilizadas (entre
as quais há, naturalmente, múltiplos graus possíveis de estabilidade ou instabilidade.)
Nas sociedades politicamente estabilizadas, as regras do jogo
político são estáveis: gozam de aceitação geral, em parte resultante de uma adesão activa, em parte efeito de resignação ou
indiferença. A legitimidade dos dirigentes funda-se, pois, no respeito de regras que são consideradas, elas próprias, legítimas: é
uma legitimidade formal, apoiada em categorias jurídicas, que
são aceites, activa ou passivamente, pela maioria dos cidadãos.
Pelo contrário, nas sociedades politicamente não-estabilizadas, faltam regras estáveis, comummente aceites, cuja invocação
e respeito possam constituir sólido fundamento da legitimidade
dos dirigentes. Estes buscam-na, então, muito mais na finalidade
que propõem ao conjunto dos cidadãos (por exemplo: a finalidade do desenvolvimento económico ou da modernização da sociedade), do que nos processos através dos quais chegam ao poder
e nele se mantêm. Conforme já antes dissemos, quando essa finalidade é revolucionária, e a ideia de «revolução permanente» que
serve para legitimar a élite dirigente.
Nesta segunda hipótese, não se pretende beneficiar constan-
10Stemente do assentimento da maioria dos cidadãos. Por vezes.
Confessa-se mesmo que se pretende impor a essa maioria uma
linha de acção, cuja necessidade ela não sente, mas que é necessário levá-la a consciencializar. O que, deste modo, legitima os
dirigentes é a sua «consciência superior» idos problemas que a
sociedade defronta e da linha de acção que lhe convém, bem
como a sua capacidade para persuadir a maioria, a longo prazo,
da «razão» que lhes assiste. Nem por isso os dirigentes se privam de afirmar, com frequência, que exprimem a vontade da
maioria, mas uma vontade que ela não é capaz de exprimir por
si mesma e da qual eles são os verdadeiros depositários e intérpretes.
A manutenção de uma legitimidade deste segundo tipo não
pode, porém, prolongar-se indefinidamente. De facto, as sociedades não-estabilizadas tendem a estabilizar-se, quer porque se
torna difícil impor às massas a tensão permanente que uma revolução pressupõe, quer porque a legitimidade fundada simplesmente
sobre a finalidade que os dirigentes invocam é perigosa para as
próprias élites no poder, uma vez que abre a élites rivais a possibilidade de, por sua vez, contra elas a invocar. É por isso normal que as élites no poder procurem, a partir de certo momento,
efectuar a transição para uma legitimidade jurídica. Por exemplo, a passagem difícil de uma legitimidade revolucionária a uma
legitimidade jurídica é porventura o que, do ponto de vista polí-
tico, melhor caracteriza, presentemente, a sociedade soviética.
Compreende-se que a transição seja difícil, pois não é fácil proclamar que uma sociedade, até então definida como revolucionária, deixou de o ser; que os objectivos da revolução (ou,, mais
simplesmente, do desenvolvimento, da modernização) foram atingidos ; que há que passar a uma nova fase. E também não é fácil
a dirigentes, que fizeram toda a sua carreira num dado sistema
político, adaptarem-se a um novo tipo de relações políticas, a um
sistema diferente. Decerto, conhecem-se exemplos de estabiliza-
ção de regimes revolucionários; mas raramente a mudança se
efectuou sem uma nova revolução, destinada a instituir um novo
tipo de legitimidade.
A adaptabilidade das élites
A medida em que é possível às élites políticas assegurar
o consenso na sociedade global depende também da sua adaptarbilidade a situações e problemas novos. Ora, esta adaptabilidade
desdobra-se em duas componentes: capacidade para governar e
capacidade para se renovai. Ocupemo-nos de ambas, em conclusão.
A capacidade para governar de uma élite detentora do poder
10kestatal depende, por um lado, da sua competência técnica e, por
outro, da sua competência política.
A competência técnica relaciona-se estreitamente com a formação dos dirigentes e com a base do seu recrutamento. Nos
nossos dias, é cada vez mais difícil a indivíduos sem formação
técnica possuir a competência necessária, quer para tomar cert as grandes decisões políticas, quer, mais simplesmente, para
entender graves problemas cujos dados são essencialmente técnicos. Torna-se, pois, rapidamente inaceitável a imagem do polí-
tico que se limita a escolher, com critério meramente políticoí,
entre várias soluções possíveis, cujas exactas implicações lhe não
é possível apreender em termos técnicos. A qualidade e a eficácia das decisões políticas dependem, assim, crescentemente, da
preparação técnica daqueles que as devem tomar.
Todavia, ao dirigente político não basta a competência técnica: é-lhe igualmente indispensável a competência propriamente
política. Nesta,, dois aspectos devem ser destrinçados. O primeiro
é a capacidade para enfrentar os problemas — mormente os problemas novos. Sob este aspecto, os dirigentes correm sobretudo
o risco da «cegueira política», quer por falta de informação e
de conhecimento objectivo das situações, quer por falta de interesse e adesão à evolução em curso na sociedade. A «cegueira
política» tolhe a iniciativa no enfrentamento dos problemas e leva
a negá-los. Ora, a iniciativa é, ela própria, um elemento do poder.
O segundo aspecto da competência política é o talento político,
ou seja: a capacidade para elaborar uma estratégia e uma táctica
e para manejar os indivíduos e os grupos. Os políticos devem,
com efeito, ser capazes de exercer influência pela sua visão
clara das situações, pelo seu talento de simplificação, pela sua
aptidão para manejar os outros. Simplesmente, nas sociedades
onde as élites no poder não são contestadas, onde portanto não
há enfrentamento de contra-élites com as equipes detentoras do
poder estatal, a experiência revela que são frequentemente indivíduos a quem falta o talento político que acabam por exercer
o poder do Estado.
Mas a adaptabilidade das élites dirigentes exige delas, não
só capacidade para governar, mas também capacidade para se
renovarem. Aliás, esta ideia de renovação das élites não é nova.
Há muito já que Vilfredo PARETO insistiu na necessidade de uma
«circulação» das élites, faltando a qual estas se achariam condenadas. Seja como for, o que parece poder afirmasse é que a capacidade das élites políticas para governar aumenta com a diversidade das origens e das formações dos indivíduos que as compõem, e que tal diversidade exige renovação.
Como podem, então, as élites políticas renovar-se, criar
dentro de si a diversidade que as reforça e assegurar-se, desse
tnodo, de que não existem fora delas élites rivais, suficientemente
105importantes para pôr em risco o seu poder? Podem fazê-lo, ou por
integraçãOy ou por associação.
Com efeito, um primeiro processo de a élite política se renovar é a integração nela dos líderes de grupos sociais novos.
Absorvendo outras élites, entretanto formadas na sociedade, a
élite política alarga-se, reflectindo assim, na sua própria composição, as transformações nas relações de forças à escala da
sociedade que dirigem, ou a vontade nova de certos grupos de
participar activamente na direcção do Estado. Esta forma de renovação da élite dirigente apresenta, porém, dificuldades. Por um
lado,, há uma dificuldade de identificação dos novos grupos, cujos
líderes convém à élite dirigente integrar. Importa, efectivamente,
reconhecer esses grupos, atribuir-lhes a sua exacta importância,
não errar no juízo que se faz acerca do seu presente e do seu
futuro. As qualidades de competência técnica e política, já referidas, são de novo aqui indispensáveis à élite no poder. Mas também os inquéritos sociológicos, as sondagens, os estudos de opinião, podem servir-lhe para melhor estabelecer e conduzir a sua
estratégia de integração de outras élites. Por outro lado,
há ainda — supondo já identificados os novos grupos — uma
outra dificuldade básica: a que resulta de ser necessário que
a élite no poder ceda uma parte dos recursos políticos, de
que dispõe, aos novos elementos que integra. Ora, a élite dirigente, tal como está constituída, pode não ser capaz de efectuar
uma tal cedência. Frequentemente, verificam-se mesmo, dentro
dela, dissídios entre determinadas facções, que entendem ser necessário adoptar uma nova orientação e associar às responsabilidades da direcção do Estado novos grupos, entretanto surgidos na
sociedade, e outros dirigentes que pensam que o seu poder está
solidamente estabelecido e que aqueles que pretendem mudar de
orientação são porventura revolucionários disfarçados.
Mas as élites políticas podem também renovar-se mediante
simples associação ao seu poder, dos dirigentes de outras hierarquias sociais. Por exemplo, nas sociedades onde o poder econó-
mico é exercido por empresários privados, é útil às élites dirigentes associar ao exercício do poder os dirigentes sindicais,
mesmo quando estes constituem uma contra-élite; e para esse
efeito se têm criado, em muitos países, organismos e instituições
mistas. Esta associação às élites dirigentes dos líderes de outras
hierarquias tem, para aquelas, duas vantagens fundamentais. Por
um lado, proporciona-lhes uma melhor informação. Com efeito,
as vias hierárquicas, através das quais a informação normalmente
chega à élite dirigente, apresentam graves deficiências de comunicação na linha ascendente. Em cada um dos sucessivos escalões, a informação é filtrada, deformada ou mesmo retida, entre
outras razões porque os dirigentes dos vários níveis tendem frequentemente a comunicar «para cima» uma visão optimista das
106situações e a ocultar as consequências dos seus erros e das suas
incapacidades. A existência de um canal paralelo de informação,
constituído por outras hierarquias sociais cujos líderes foram
associados às élites políticas, reveste-se, pois, para estas últimas, de uma grande importância, se porventura são capazes de
compreender a necessidade de dispor de uma informação mais
completa e mais diversificada. Por outro lado, a associação traz
consigo as vantagens da participação, às quais já antes nos referimos, quando enunciámos a hipótese segundo a qual as decisões
são tanto melhor executadas, quanto mais os executantes estão
conscientes de haverem participado na sua elaboração. As élites
políticas mais hábeis são, por isso, aquelas que se revelam capazes de proporcionar ao conjunto dos cidadãos —ou, pelo menos, às élites sociais que não tomam parte directamente nas
decisões do Estado — a impressão ou a realidade, de uma certa
participação nessas decisões.
8. Leituras recomendadas
R. DAHL, Modern political análysis, Englewood Cliffs, N.
J., Prentice-Hall, 1963.
F. BOURRICAUD, Esquisse d'une théorie de Vautorité, Paris,
Plon, 1961.
B. de JOUVENEL, Essai de politique puré, Paris, Calmann-
-Lévy, 1963.
M. DUVERGER, Introduction à Ia politique, Paris, Gallimard,
1964.
R. ARON, toda a obra, designadamente Démocratie et totalitarisme, Paris, Gallimard, 1965.
Revue Française de Science Politique, n.
os
especiais sobre o
problema das élites políticas, Abr. e Ag. 1964, Fev. 1965.
(Resumo elaborado no Gabinete e revisto pelo Autor.)

-----------------------------------------------------------------
DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS.

Artigo V

Ninguém será submetido à tortura, nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante.

04. UMA INTRODUÇÃO À SOCIOLOGIA EM GRANDE ESTILO.

PESQUISADO E POSTADO, PELO PROF. FÁBIO MOTTA (ÁRBITRO DE XADREZ).

REFERÊNCIA:
http://www.espacoacademico.com.br/062/62res_pinto.htm
REVISTA ESPAÇO ACADÊMICO - Nº 62 - JULHO 2006. MENSAL - ISNN 1519.6186. ANO VI.

RESENHA.
VIANA, Nildo. Introdução à Sociologia. Belo Horizonte: Autêntica, 2006.


Uma introdução à sociologia em grande estilo.


A obra de Nildo Viana afirma-se a cada livro publicado como uma das mais instigantes do marxismo brasileiro e o leitor terá a prova desse fato inconteste com a leitura deste livro, esta excelente Introdução à Sociologia, recentemente publicada pela Editora Autêntica (Belo Horizonte), na Série Ciências Humanas, coordenada pelo autor. Nildo Viana que é professor de Sociologia na Universidade Estadual de Goiás (UEG) é responsável por um já expressivo conjunto de estudos marxistas com temas e problemáticas interdisciplinares em livros como A Dinâmica da Violência Juvenil (2004), Estado, Democracia e Cidadania (2004), Escritos Metodológicos de Marx (2001), entre outros títulos e dezenas de capítulos de livros e artigos em periódicos nacionais e internacionais. Nildo Viana compõe sua trajetória política e intelectual nos quadros do marxismo brasileiro a partir de sua prática na universidade, ressalvando-se de modo enfático que a sua perspectiva rompe radicalmente com os cânones que sempre fundamentaram a cultura marxista brasileira: o marxismo pecebista, o marxismo fenomenologista acadêmico e o marxismo de tintas politicistas de matriz gramsciana. Seu projeto marxista insere-se de modo intransigente e radical na cultura dissidente anticapitalista, naquilo que a ortodoxia leninista-stalinista sempre convencionou chamar pejorativamente de “esquerdismo”. Exceto pela obra de Maurício Tragtenberg não há no Brasil uma tradição consolidada de heterodoxias marxistas pautada fundamentalmente por posições antileninistas, propositora, portanto, da radicalidade política anticapitalista de bases autogestionárias.

O mercado editorial brasileiro tem inúmeros exemplos de estudos introdutórios à Sociologia. O que distingue o trabalho de Nildo Viana desses outros trabalhos é a sua perspectiva analítica originalíssima: uma perspectiva marxista radicalmente ortodoxa com a matriz marxiana, com a obra original de Karl Marx. Esse aspecto está admiravelmente exposto no paradigmático capítulo cinco – “Temas fundamentais da Sociologia” – onde o autor apresenta reflexão sobre quatro questões fundamentais à análise sociológica: a relação indivíduo – sociedade (percebida através do conceito de socialização), o problema da divisão da divisão social do trabalho (vista através do conceito de classes sociais), a questão da cultura e da ideologia e, por fim, a questão da mudança social.

Para o autor o processo de socialização do indivíduo na sociedade capitalista está marcado pela competição, mercantilização e burocratização. Tais marcas estruturais são oriundas do processo histórico da divisão social do trabalho intrínseco às determinações fundamentais do modo de produção capitalista, determinações essas, projetadas nas práticas interrelacionais das classes sociais.

Nildo Viana afirma que no modo de produção capitalista existem fundamentalmente duas classes sociais – a burguesia e o proletariado. A relação destas classes determina estruturalmente na sociedade capitalista a existência de outras classes sociais que têm sua existência determinada relacionalmente a formas secundárias de exploração, formas realizadas na ação institucional do Estado, do capital comercial e do capital bancário. Nessas configurações institucionais da sociedade capitalista estão reproduzidas formas de exploração outras que reproduzem de modo ampliado a relação de exploração central do modo de produção capitalista: a expropriação da mais-valia no ato da exploração burguesa da força de trabalho proletária. Exemplos dessa prática societal são o campesinato e a burocracia. O campesinato que não reproduz mais-valia é explorado pela classe dominante e a burocracia como classe aliada da classe dominante tendo no Estado o seu aparelho de ação fundamental. Como corolário desse modelo, o fato de que a ideologia com suas bases reais (nas classes sociais) teria de ser entendida de modo determinante como uma forma de pensamento sistemático que, no entanto, reproduz a deformação da realidade social por causa de sua origem determinada pela divisão social do trabalho. A ideologia como pensamento sistemático nasce das práticas do trabalho intelectual vinculado historicamente no capitalismo, enquanto modo de produção, às classes “auxiliares” ligadas à classe dominante (a burguesia), caso, por exemplo, dos intelectuais nas burocracias estatais.

A cultura na sociedade capitalista seria a expressão da consciência concreta de determinada classe social, a cultura, ao contrário da ideologia, é parte constituidora da totalidade histórica porque é a consciência própria de cada classe, que é sempre afirmada relacionalmente no confronto com as outras classes. Conforme o autor, a cultura seria então parte constituinte das práticas de classe, logo, elemento estrutural da realidade histórica. A ideologia seria então forma específica de pensamento complexo, uma falsa consciência sistematizada que pode “assumir a forma de Filosofia, Teologia, Ciência, etc.” (p. 127).

Do conjunto dessas questões aquela referente à mudança social fica de imediato subentendida como um processo social, nunca como uma lei natural ou qualquer outro teleologismo histórico. A mudança social seria então imanente aos conflitos sociais originados pelas práticas interrelacionais das classes sociais.

No livro, para chegar a este quadro analítico radicalmente centrado na perspectiva marxiana, o autor, nos quatro primeiros capítulos, desenvolve extensa e detalhada análise dos significados próprios do que é presentemente a Sociologia como ciência acadêmica na sua condição histórica de ciência intrinsecamente vinculada à afirmação da sociedade capitalista, considerando-se, principalmente, o quadro de suas referências clássicas em Max Weber e Emile Durkheim que procuraram afirmar a Sociologia no seu estatuto de ciência. Mesmo sendo considerado uma referência clássica fundacional, o projeto teórico de Karl Marx, ao contrário, jamais se tentou propor, afirma o autor, com qualquer premissa de cientificidade sociológica para a realidade capitalista.

O leitor obtém desta extraordinária introdução uma extensa e detalhada apresentação do desenvolvimento institucional da Sociologia ao longo do século 20, assim como o desenvolvimento institucional imanente à crescente complexificação das práticas capitalistas, com o autor, privilegiando nessa exposição, as marcas nacionais da cultura sociológica contemporânea, destacando-se com esse propósito, os percursos institucionais da sociologia alemã, francesa, norte-americana e a do “resto do mundo”, incluindo-se aí, a sociologia brasileira. Na sociologia alemã, o autor comenta de modo sucinto, mas objetivo, os percursos clássicos de autores-instituições como Max Weber, Ferdinand Tönnies, Georges Simmel, Karl Mannheim, Norbert Elias, Robert Michels, a Escola de Frankfurt, e ainda, os estudos sobre a indústria cultural elaborados por Dietr Prokop. Na sociologia francesa apresenta-se a escola durkheimiana (Marcel Mauss, François Simiand, Paul Fauconnet, entre outros) e as escolas rivais ao modelo durkheimiano centradas em nomes como os de Frédéric Le Play e o de René Worms em conjunto com Gabriel Tarde. Da experiência francesa apresentam-se ainda as trajetórias marxistas de Henri Lefebvre e Lucien Goldmann e a escola “sócio-objetivista” de Pierre Bourdieu e seus colaboradores como Passeron, Chaboredon, Boltanski e Wacquant, grupo que Bourdieu reuniu em torno da revista Atas de Pesquisa em Ciências Sociais. No caso norte-americano, os destaques são dados a Tornstein Veblen, ao funcionalismo de Talcott Parsons e Robert Merton, como também as críticas a esse modelo elaboradas por Wright Mills; considera-se ainda, a sociologia industrial de Elton Mayo, o empiricismo da Escola de Chicago em nomes como o do urbanista Louis Wirth e o interacionismo simbólico de G. H. Mead. No quadro amplo da sociologia do “resto do mundo”, o autor ressalva com muita razão, na sociologia britânica, apesar de ser um nome de projeção internacional, a “sociologia sem grande importância” de Anthony Giddens.

Enfim, desse amplo quadro objetivo, o que se destaca é que, na sua condição de livro introdutório, mas portador de uma perspectiva teórico-política marxista apresenta-se como peça profundamente inovadora aos estudos sociológicos universitários, trata-se, portanto de um livro de divulgação fundamental a qualquer bibliografia nos cursos de ciências sociais.

Da década de 1980 aos dias atuais, o marxismo brasileiro sofreu a marca indelével do abandono, da abjuração teórica, o marxismo tem sido sistematicamente rejeitado como modelo explicativo e como perspectiva política. Com as práticas acadêmicas colossalmente reacionárias que pululam no esteio universitário nestas últimas décadas, os vértices heurísticos do marxismo foram sistematicamente derrotados pelas práticas dos rigores formais de investigação que os gestores da cultura acadêmica impõem aos seus próprios campos de atuação numa escalada fratricida de lutas e locupletações entre camarilhas universitárias que absolutamente nada têm a dizer à realidade histórica da exploração capitalista que lhes faculta – na expropriação da mais valia – a sua miserável existência nos pálidos contracheques mensais. Entretanto, nessa mesma universidade, mas com outras práticas acadêmicas aos poucos renasce o marxismo como perspectiva proletária, como perspectiva de estudantes proletários que não podem mais compactuar com a simples perspectiva de um dia tornarem-se gestores intermediários do capital transnacionalizado, dessas práticas de novo tipo nascidas nas frestas da universidade tecnocrática entre alguns professores e alunos é que aos poucos se vão delineando relações sociais fecundamente anticapitalistas e é dentro de tais práticas que o livro de Nildo Viana se justifica historicamente. Com os trabalhos de Nildo Viana, e em especial com este estudo introdutório a uma das principais balizas científicas do conhecimento da sociedade capitalista, desenham-se as possibilidades concretas de na tradição do marxismo brasileiro afirmar-se como definitivo o diálogo com a obra marxiana e apontarem-se assim as possibilidades de outras práticas intelectuais para o combate que pouco a pouco se vai instaurando na universidade brasileira contra os racionalismos positivistas tecnocráticos e/ou contra os irracionalismos culturalistas.

Por JOÃO ALBERTO DA COSTA PINTO.

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DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS.


Artigo IV

Ninguém será mantido em escravidão ou servidão, a escravidão e o tráfico de escravos serão proibidos em todas as suas formas.